Sobre o Ter

Segunda-feira de manhã no trabalho, todo mundo no ritmo devagar quase parando, começando a esquentar os motores. É o tipo de dia que eu não tenho muito critério na hora de escolher uma roupa (essa calça, essa blusa, esse cinto, vai esse sapato... E que colar mesmo? Ok, esse tá bom, vamos), mas eu tenho uma amiga que sintetiza exatamente esse exemplo da Irena. A Ana Flávia, vulgo Barbie, faça chuva ou faça sol, está sempre linda. De delineador, sombra, acessórios, tudo coordenadinho. E lindo.

Então, numa segunda-feira devagar, eis que Ana Flávia surge com o seguinte sapato:


Tapa na cara da sociedade da preguiça. Todas as tendências juntas, transparência, spikes, metalizado, captoe, tudo que a gente sempre desejou na última semana, sintetizados numa sapatilha só. Que fez com que todo o setor desses suspiros de admiração, perguntasse toda a ficha técnica, quanto tinha sido, se ainda tinha. A Flávia queria uma sapatilha assim, dourada, pra vir trabalhar, que combinasse com tudo. E é claro que transparente combina com tudo, ou seja, a escolha perfeita.

O único detalhe é que, se isso tudo não tivesse na moda, seria só um sapato feio.

Uma marmota ridícula, onde já se viu, sapatilha de pvc, imagina o chulé, e esse saltinho quadrado meio idiota, e essa ponteira de plástico pintada de dourado, na primeira topada vai lascar a tinta, etc, etc. Quem usa sapato transparente é funkeira, quer coisa mais brega que salto de acrílico? Pois é, mas só que, nos últimos tempos, o mundo inteiro fez com que a gente desejasse tudo isso junto e misturado, e que acabasse achando a sapatilha da Flávia linda.

Pior que nem foi o Louboutin, que inventou que sapato de vinil transparente fosse lindo. Ele disse que era lindo sim, as celebridades também acharam lindo por algum motivo (é sexy), começaram a usar, até que alguma blogueira de moda conseguiu comprar seu primeiro par com dinheiro de jabá e pronto. Estava feita a perdição. Agora um sapato transparente meio ridículo é um item essencial, must have do verão (ou inverno?), olhe aqui onde conseguir o seu Louboutin inspired. Aliás, bom mesmo é blogueira que vem com o seguinte argumento: fim de viagem, nada melhor que um look bem básico, estou usando essa calça jeans de lavagem preta que, vocês não estão vendo a etiqueta e de forma alguma conseguiriam saber, mas SIM, é de grife, e olha só, quer coisa mais básica e confortável que um sapato transparente de salto alto e fino?

Não entendo os conceitos de básico ou de conforto, mas quando eu estou no fim da viagem, não consigo sequer imaginar usar um salto, quanto mais um de plástico transparente que vai ficar todo suado e criando lama em 3 segundos. Sim, sou puro glamour, só tem gente que finge não ser.

Mas aí que trabalhamos com moda, e acabamos acreditando nessa baboseira, e desejando tudo. Desejamos tudo ao nosso redor, tudo nos instiga, passar o dia vendo imagens bonitas ajuda esse interesse infinito em ter tudo. Porque não é exatamente o comprar, nem o usar, é o prazer de ter. Porque compramos, compramos e compramos, só para ter uma centena de maxi colares acumulados, meio sem propósito, porque no fim das contas, só temos mesmo um pescoço, e daqui que a gente consiga usar tudo que tem, lá vem os nano colares apontando como as tendências de novo. E as celebridades usando, e as blogueiras ganhando de presente, e a gente passando a acreditar que sim, precisa de um micro colar agora. Porque maxi é so yesterday (nem last season ele consegue ser).

Eu mesma sou uma que vibro quando vejo uma blogueira usando uma peça que eu já tenho, porque sei que é menos uma coisa que eu vou ter vontade de ter, porque ei, eu já tenho. Veja bem, eu não estou usando, eu nem lembro quando foi a última vez que usei, mas eu tenho. Está lá.

A gaveta entulhada de maquiagens, o armário cheio de sapatos de captoe (aliás, quem foi que inventou esse termo?), para o quê? Para o dia em que eu resolvo pisar fora de casa, ou para ficar usando no trabalho? Para que mesmo que eu preciso gastar 300 reais numa sapatilha, para usar quando for trabalhar no Montese? É, exatamente pra isso. Taí o meu sneaker (amor verdadeiro, amor eterno - até que a temporada mude) que não me deixa mentir. Só pra ter. E ter, e ter. E cada vez mais morar num lugar atulhado, reclamando de espaço, e tendo, e tendo.

Porque fazem a gente acreditar que a gente precisa, que a gente realmente não vai conseguir viver sem. Como sair de casa agora sem uma calça estampada? Como posso respirar sem minha sapatilha transparente com spikes, agora que a Flávia tem uma? 

Estou me policiando para querer menos, desejar menos, ter menos. Mas com tanto estímulo ao nosso redor, realmente fica difícil conseguir sair da avalanche de "opiniões", respirar o ar puro e gritar: ESSE SAPATO É FEIO. E eu NÃO preciso dele!

A não ser no dia que ele fique de promoção, esquema desconto progressivo de 3 sapatos com 60% de desconto, para que eu possa, enfim, ser mais uma. E também ter.
  1. Eu não sou dessas em relação a moda, Gabi! Sou assim com livros! Eu preciso TER os livros e saio comprando alucinadamente. O que, se você for pensar, em questão de 'usar mais vezes', é bem menos útil que uma sapatilha. Mas eu morro de orgulho de ver minha estante cheia e colorida, não tem jeito!

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  2. Couth, caiu uma lagrimazinha aqui.
    Eu já fui muito assim e conheço totalmente o sentimento. Pra me livrar dessa angústia de *precisar* ter que fiz um detox de blogs de moda, porque não aguentava mais acordar triste porque não tinha aquele vestido com corte X do tecido Y e blablabla. Foi uma das melhores coisas que fiz pra mim e acho que é graças a isso que hoje consigo olhar pra um sneaker e um scarpin transparente e pensar que é mesmo horroroso (desculpa, Flávia!).
    Mas fico imaginando o quão terrível deve ser pra você, que trabalha e vive isso o dia todo.
    Ótimo, ótimo post! Volte logo! <3
    beijos

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  3. te falar que não tenho vontade nenhuma de ter sapato de plástico, acho muito feios...
    quando veio essa febre dos sneakers tbm, não consigo olhar pra um sem lembrar de uma bota ortopédica rs
    mas claro, como todo mundo, eu tenho meus momentos de quero tudo me da tudo!

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  4. Eu tenho uma amiga Flávia que está sempre impecável e que veste as tendências mais ridículas e faz tudo parecer lindo. Deve ser uma coisa de nome. Será que todas são assim?

    O negócio disso de moda é complicado mesmo. Tive que fazer detox de blogs de maquiagem e moda igual a Anna Vitória pra parar de QUERER MUITO as coisas. Só continuo lendo os de esmalte, não me aguento, mas continuo tentando manter um senso crítico mesmo nisso. Ainda bem que esmalte, por enquanto, ainda é baratinho.

    O segundo grande problema de blogs de moda e querer ter e ter e ter é que acabamos todas vestindo as mesmas coisas, tendo o mesmo estilo. Todo inverno mil meninas parecem comigo, no verão odeio tudo nas lojas. Acho que todo mundo, pra manter uma sanidade mental e não entrar nessa onda de consumismo louco, mas principalmente pra você que vive rodeada disso, precisa parar e pensar exatamente qual o nosso estilo, o que queremos passar com as nossas roupas.

    Bom te ver por aqui, tava com saudade.

    Beijo!

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  5. O "ter" é uma das 3 coisas que o ser humano busca sempre... É realmente uma avalanche que passa por cima de quem estiver na frente.
    As outras duas coisas são "ser" e "fazer".

    Não sei se vc conhece, mas um versículo na Bíblia deixa isso claro, onde Jesus diz: "Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne (querer FAZER), a concupiscência dos olhos (querer TER) e a soberba da vida (querer SER), não é do Pai, mas do mundo."
    1 João 2:16

    Penso que a moda é uma das maneiras de buscar o "ter" para "ser". E que não há maneira de fugir desse avalanche fora de Cristo.

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  6. Estou embestiada com a sua saga. Coitada de você. Trabalhar com moda deve ser um saco por essas coisas, viu? Eu não tenho vontade de ter nada. Eu não vejo blogs de moda e - em suma maioria - acho a moda ridícula e continuo a usar tudo que eu usava antes - calça larga + camiseta que eu fiz + all star + moletom velho - e as vezes eu tento mudar só pra rir de mim mesma, eu só me sinto eu com meu look tradicional mesmo! Costumo ir a lojas pra rir das roupas, sinceramente, é MUITO raro eu gostar de algo e, assim sendo, quando gosto me sinto na obrigação de comprar, mas isso porque está na hora de substituir a calça que uso desde os 14 anos.
    Porém, preciso confessar que sofria dessa coisa na época do meu vício por esmaltes. Hoje eu tenho quase duzentos, nunca usei todos e todos os dias me questiono o motivo para ter gasto tanto dinheiro com eles. Tenho mania de tintas de cabelo também, mas elas não estão na moda e - espero que até que eu desista do fato - elas não entrem. Minha mania atual é livros, tenho comprado tantos que DUVIDO que um dia lerei todos, mas bem... É legal ter livros.
    Essa coisa de "ter" ainda nos matará, essa é a verdade. E meu último texto no meu blog, surpreendentemente, é quase sobre a mesma coisa.
    Abraços <3

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  7. O pior é que é isso mesmo: a gente é levado a crer que precisa comprar isso e aquilo pra ser feliz num mundo de blogs de moda. E no final das contas, acabamos perdendo a noção e a personalidade de falar "meu, isso é feio. HORRÍVEL, desculpa".
    Incrível o texto, Gabi! Encaixou perfeitamente com o tema do meu TCC, adorei!
    Beijão!

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  8. tudo anda tão plastificado... às vezes tenho medo de sermos engolidas por tanta informação. salvemo-nos enquano é possível! texto absolutamente sensacional! (:

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  9. Eu parei 100% com os blogs de moda justamente por isso. Não aguentava mais ficar desejando roupas que parando bem pra pensar eu nem achava tão bonitas. Fora que ver fotos de looks do dia super elaborados estavam começando a me desesperar, hahaha! Aquela coisa de GENTE como a blogueira tal que é gente como eu está sempre arrumada e eu não consigo fazer isso nem uma vez por mês.

    P.S.: estou toda besta que fui ~ citada ~ no post, hahaha!

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  10. Uma pergunta bem simples, dinheiro de jabá é em real? gsyuagsyuagsu

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25 anos. Mora no Rio de Janeiro, é carioca de alma, mas cearense de coração. É designer e está tentando se encontrar nesse mundo. Sou casada com meu melhor amigo, o Marcelo Bernardo, e mãe da Dindi the Boston.

Gosto de ler, de dormir de rede, de inspirações repentinas e de petit gateau. Mas o mundo seria muito melhor sem aliche gente que fura fila. Ah, e de vez em quando eu desenho.

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